Comércio digital ganha 5,7 milhões de consumidores e varejo diz que eles vieram para ficar

Magalu e Carrefour estão entre empresas que veem ecommerce despontar mesmo com flexibilização do isolamento

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São Paulo

As lojas começaram a reabrir após as medidas de distanciamento social, e os clientes retornam às compras lentamente. A percepção entre executivos do setor de comércio é que novos consumidores de diferentes faixas etárias e de renda aderiram à facilidade de comprar pela internet —e as vendas digitais devem se firmar em patamares superiores aos do pré-Covid.

O varejo chegou a registrar uma perda de 36% no faturamento durante a pandemia, e a queda só não foi mais profunda devido ao desempenho do ecommerce, avaliam especialistas do segmento. Dados divulgados nesta quarta-feira (22) pela Neotrust/Compre&Confie, empresa de inteligência de mercado, dimensionam o movimento do consumidor.

Entre abril e junho, meses de pico do distanciamento, 5,7 milhões de clientes fizeram a primeira compra pela internet. Segundo a empresa, trata-se de uma aceleração em relação aos novos consumidores do segundo trimestre de 2019, período comparável. Naquele momento, 4,3 milhões aderiram ao comércio digital.

Essa parcela do consumo no Brasil ainda tem muito para crescer e nem todos são fiéis. Quem compra uma vez nem sempre volta a gastar na internet. No balanço encerrado em 2019, as vendas online atraíram 31,4 milhões de clientes únicos.

Apesar de o comércio presencial estar reagindo, a projeção em redes como Magazine Luiza, Via Varejo, Carrefour e mesmo Renner, do setor de vestuário, fortemente afetado pela retração, é que esses novos consumidores vão colocar o ecommerce em um nível maior do que o já registrado.

Especialistas estimam que o segmento cresceu cerca de 45% ao mês durante a pandemia. De acordo com a Cielo, cujo índice de varejo monitora transações de cartões de débito e crédito, em março, as vendas digitais subiram 0,4% na comparação a fevereiro —último mês sem medidas de restrição social.

Comparando o desempenho em meados de julho com o mesmo fevereiro, o ecommerce registrou avanço de 41,5%.

Os dados gerais ainda são desalentadores. A Cielo mostra queda de 15% na receita do varejo na pandemia, mas como a retração já foi mais que o dobro, o fôlego rumo a recuperação, com redução das perdas, é considerado positivo.

É preciso considerar que o comércio não tem desempenho linear. Enquanto supermercados e o setor de materiais de construção registram receita até superior na comparação com o ano passado, os segmentos de restaurantes e de vestuário têm uma longa curva de recuperação pela frente.

Nessa retomada, analistas veem como crucial a manutenção de investimento no comércio digital, mesmo que sua fatia no consumo total ainda tenha baixa representação (menos de 5% antes da pandemia).

"A abertura das lojas vai gerar uma migração contrária, mas os frutos desse empurrão rumo aos canais digitais que o consumidor viveu nos últimos meses vão se manter", diz Eduardo Yamashita, chefe de operações da consultoria Gouvêa Ecosystem.

Ele projeta que, em cinco anos, o nível de presença dos canais digitais no varejo do Brasil alcance o mesmo patamar que se vê hoje nos Estados Unidos.

No mercado americano, o ecommerce representava quase 11% do consumo em 2019. No Brasil, a participação era de de 4,8% no pré-coronavírus.

"Nas nossas projeções, o país chegaria a 11% em 2029, mas com a aceleração impulsionada pela Covid, isso deve acontecer até 2025", diz o consultor.

As grandes companhias que conseguiram sustentar a operação pela internet também afirmam que enxergam a tendência de um novo padrão de consumo no pós-crise, graças à captação de clientes da base da pirâmide e à ampliação no uso de plataformas mais populares no Brasil, como o WhatsApp.

“Quem comprava no ecommerce eram consumidores com maior poder aquisitivo, era a Faria Lima, Copacabana. Agora, o online está chegando nas classes C e D”, diz Abel Ornelas, chefe de operações da Via Varejo, dona das Casas Bahia e Pontofrio, que tem 70% das lojas já abertas.

A empresa diz ter 20 mil vendedores comercializando pelo WhatsApp. A operação via aplicativo ocorre até mesmo pelos vendedores que atuam no interior das lojas. Antes do coronavírus, o ecommerce representava 30% do faturamento empresa. A participação foi para 80% em abril e a projeção é que empate com a venda física depois da pandemia.

Na segunda-feira (20), a empresa chegou a publicar mensagens em seu perfil no Twitter, que depois foram apagadas, dizendo que o isolamento provocou "diversas mudanças na rotina de casa e, por consequência, nos hábitos de consumo online".

Citou alta de mais de 2.500% nas vendas de games e câmeras, 1.900% nas de televisores e 1.400% nas de itens de informática e escritório de maio a junho. As publicações levaram a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) a abrir um processo administrativo para investigação. A companhia não comenta.

O setor de super e hipermercados, que acumula alta de 16% desde março, foi um dos destaques positivos em vendas no período. Como permaneceu com portas abertas, também vendeu itens de ticket médio maior, como eletrodomésticos.

O ecommerce acompanhou esse cenário, com crescimento de pedidos no ramo alimentar e não alimentar, que era quase inexpressivo no Brasil. O Carrefour contratou cerca de 5.000 pessoas em quatro meses, sendo 1.500 para atender a demanda de canais digitais, antecedendo mudanças que planejava fazer até 2022.

“Revemos preços, oferta de produtos, ampliamos o market place, com produtos alimentares e perecíveis. Clientes que não estavam acostumados migraram para o ecommerce para buscar segurança. O setor alimentar não deve mudar esse comportamento”, afirma Stéphane Engelhard, vice-presidente do Carrefour.

Segundo ele, o auxílio emergencial de R$ 600 do governo e a parceria com aplicativos de entrega como a Rappi ajudaram a propelir o consumo e a captar consumidores em diferentes capitais. De forma geral, empresas menores do setor alimentício, como mercearias e mercados de bairro, também registraram aumento nas vendas.

A lenta retomada do varejo é justificada pelos negócios que precisaram encerrar as atividades nos últimos meses. Além da impossibilidade do consumo em loja física, muitos tiveram problemas para acessar linhas de crédito, fizeram demissões ou ficaram impedidas de operar no curto prazo, como no setor de turismo e transporte, que amarga a pior queda de faturamento nos últimos meses, segundo a Cielo.

Além disso, as grandes redes que sustentaram bom desempenho na Bolsa diante da crise iniciaram o processo de adaptação digital há, no mínimo, três anos. Além do Carrefour, que tinha um plano anterior à pandemia, e da Via Varejo, que tentava se reinventar no online desde 2019, a Magazine Luiza acelerou processos que seriam implementados em momento posterior.

“Antecipamos a entrada na categoria de bens de consumo [no ecommerce], de itens de higiene, beleza, bebidas. Investimos na ideia de comprar no site e retirar na loja. No fim de abril, 600 lojas já trabalhavam nesse formato, com entrega rápida e custo mais barato”, diz Eduardo Benjamin Galanternick, diretor-executivo de ecommerce da Magazine Luiza.

A empresa incluiu mais de 15 mil lojistas em sua plataforma de vendas e diz ter mais de 100 mil cadastros de pessoas físicas em um programa que dá comissionamento pela divulgação de produtos do ecommerce —que cresceu 73% no primeiro trimestre da companhia.

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